Ainda incendiário

Posted on 26/05/2016

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(por: W.B.*)

“E eu que já fui uma brasa,
Se assoprarem posso acender de novo”
 (Adoniran Barbosa, no samba Já fui uma brasa)

O livro “Palavras de um Revoltado” é a reunião de 20 textos escritos entre 1880 e 1882 pelo anarquista russo Piotr Alekeseevich Kropotkin (1842-1921). Pode impressionar o fato de a pertinência da obra se manter ainda neste nosso século 21 – mas essa é a pura verdade.

O companheiro Piotr – ou Pedro, pra quem preferir – publicou os artigos originalmente na revista antiautoritária Le Révolté (O Rebelde), instalada na Suíça, mais especificamente em Genebra. O cara já tinha sido bastante perseguido pelo governo czarista russo e se encontrava refugiado na casa do geógrafo Élisée Reclus. Em janeiro de 1883, foi capturado juntamente com outros 65 militantes libertários. Acabou encarcerado na prisão francesa Clairvaux. As acusações? “Afiliação a uma sociedade   internacional” e ter propagado doutrinas “para a abolição do direito de propriedade, da família, da pátria, da religião”. Na verdade, Kropotkin foi preso por colaborar com a solidariedade internacional entre os trabalhadores e por combater a exploração patronal, o autoritarismo governamental e o fanatismo religioso – tudo que, inclusive, seria nossa obrigação moral fazer ainda hoje.

O ativista ácrata Élisée Reclus reuniu escritos de Kropotkin, então prisioneiro político na França, e os publicou em 1885 num volume intitulado Paroles d’un Révolté . Este foi traduzido para vários idiomas: editado em espanhol (em 1907), em búlgaro (1910), em russo (até 1921, quando a Tcheca – polícia política dos autoritários bolcheviques – fechou a editora na URSS), em chinês (1948) e continua ainda na atualidade a ser vertido para outras línguas e publicado pelo mundo a fora.

Aqui no Brasil é possível encontrar uma bela edição desta coletânea. Ela foi inicialmente programada para sair pela Ed. Cortez na coleção “Pensamento e Ação”, mas, após reprogramação da editora, acabou sendo publicada pela Ícone, em colaboração com a Editora Imaginário, em 2005, numa tradução de Plínio Augusto Coelho. Tem apresentação de Frank Mintz e prefácio de E. Reclus. Ao fim foram incluídos como anexos: os prefácios das edições  italiana, russa, além do posfácio da edição russa, todos feitos por Kropotkin.

O que o texto de Piotr traz de menos atual pra nós são suas convicções acerca da proximidade duma revolução social em grande escala. Para o pensador russo, parecia inevitável que um profundo período revolucionário se iniciasse logo num par de anos, destronando governo e patrões, dando início a uma organização social sobre bases libertárias e igualitárias. Já passaram mais de cem anos desde as previsões de Kropotkin e nada disso aconteceu, e aí? Ora, ele era um ser humano como outro qualquer e não tinha consigo nenhuma bola de cristal (alguém tem?), portanto nada mais normal que tenha se enganado em seus prognósticos. Agora, o fato é que Piotr impressiona por sua crítica lúcida e contundente à democracia representativa. Vale lembrar que era uma época de ditaduras pelo mundo todo, e os pensadores de mentalidade mais inovadora achavam que o sufrágio universal seria a grande garantia de liberdade e justiça pro povo. Kropotkin nunca caiu nessa enganação e também jamais se entusiasmou com as falsas liberdades concedidas pela burguesia, tanto é que escreveu: “Liberdade de imprensa e reunião, inviolabilidade de domicílio e todo o resto só são respeitadas se o povo não faz uso delas contra as classes privilegiadas”.

Os escritos integrantes de “Palavras de um Revoltado” não foram endereçados a eruditos ou intelectuais, mas para gente comum da classe trabalhadora. Durante décadas esses textos falaram alto aos corações do povo, com os quais o autor sempre se irmanou, tendo abandonado sua família aristocrática para viver unicamente dos frutos de seu próprio trabalho, pobre e digno, lutando pela revolução.

E essa revolução, se não nos parece mais tão próxima, tem se mostrado – mais do que nunca – necessária. E como fazê-la? Como Kropotkin, também não temos bola de cristal, porém parece evidente que para avançarmos é preciso pegarmos as contribuições de nossa classe, exemplos de luta, teorias e pensamentos desenvolvidos, experiências históricas passadas e, com base nisso tudo, irmos construindo nosso futuro já.

Fica aqui o convite para revisitarmos a obra de Pedro Kropotkin, não dogmaticamente, mas dando a ela o sopro de vida de nossas experiências e de ideias libertárias hodiernas. Leiamos e pratiquemos essa obra hoje e veremos o quanto ela ainda pode ser incendiária.

(*W.B. é militante da tendência político-social Organização Popular – OP)